terça-feira, 16 de agosto de 2011

postheadericon Corpo e Cidade Ambiente

Por Fernanda Carla Machado

 “O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em negociação com as que já estão. O corpo é resultado desses cruzamentos, e não um lugar por onde as informações são apenas abrigadas”. Chritine Greiner e Helena Katz.1

O corpo do artista em cena, no palco italiano, numa arena ou mesmo na rua, é um meio de comunicação que troca informações constantemente, ou seja, entende-se este corpo como uma espécie de mídia, um corpomídia. As informações da cena chegam ao espectador através do artista que inclui o ambiente em seu discurso cênico, ou seja, a encenação ou história ali contada envolve os signos que existem no ambiente da cena, direta ou indiretamente. Uma cena que acontece numa rua tem como informação agregada os carros que passam, que mesmo que não façam parte da história, carregam informação indireta.

Intervenções Projeto Barafonda, Cia São Jorge de Variedades

“Ao comunicar algo, há sempre deslocamentos: de dentro par fora, de fora pra dentro, entre diferentes contextos, de um para o outro, da ação para a palavra, da palavra para a ação e assim por diante”. Chistine Greiner e Helena Katz.2

Esta reflexão tem como objetivo pensar no corpo em diálogo com o ambiente cidade, ampliando as possibilidades de comunicação da arte, do fazer artístico, a quem se destina e como chega.
A cidade é um espaço de manifestação artística em potencial, a arte está nas ruas, nos becos, em todos os lugares, comunicando, sendo vista, existindo aos olhares de todas as pessoas.
A arte é um suspenso nessa vida que por hora pode ser dura, é um lugar de respiro, do lúdico, do mágico, onde observo, penso, repenso, vivo, minha realidade alterada, meu mundo tomando outras proporções onde certas coisas se tornam possíveis, alcançáveis.
A dança da arquitetura do concreto dos prédios, do asfalto... O movimento dos carros, do barulho, do caos, da britadeira martelando a mente, agitando o corpo... E uma buzina que pede passagem passando pela corrente sanguínea... Danço!
Falo, gritando, berrando, rindo, chorando, para paredes que rebatem meu manifesto... Elas também me dizem algo, como resposta a minha intervenção, deixando-se imprimir pelo som, toque, arte que ali publico aos ventos.
O artista está em cena e se comunica! Ele diz coisas ou executa ações ou dança movimentos aleatórios ou está imóvel! Num espaço fechado ou nas ruas. 
Numa sala branca ele diz algo! Numa sala branca num dia chuvoso, ele diz outro algo. Numa sala branca num dia chuvoso, onde um de seus espectadores está gripado, espirrando e tossindo durante o evento, ele diz um outro algo. Essa sala branca, com todas essas informações que vão se agregando à encenação num determinado dia, formam um ambiente único!
E se esse artista romper os limites da sala fechada, seu discurso será ainda um outro, em um ambiente com inúmeros signos agregando-se a informação. Hoje ele é um, amanhã será outro, as configurações se alteram e o artista em cena também, na troca com esse espaço, na troca com o público, na troca com ele mesmo! A comunicação da cena aqui acontece no encontro das informações entre o corpo e o ambiente.

Pina Bausch e a dança do cotidiano, o movimento de corpos, a arquitetura da cidade



“As imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam o cenário cultural da nossa rotina e a identificam como urbana: o movimento, os adensamentos humanos, os transportes, o barulho, o tráfego, a verticalização, a vida fervilhante; uma atmosfera que assinala um modo de vida e certo tipo de relações sociais”. Solange Pimentel Caldeira.

Em "O Lamento da Imperatriz" vídeo produzido e dirigido por Pina Bausch, as cenas mostram os corpos em diálogo com a cidade. Movimentos diversos, sutis ou agressivos, envolvem o ambiente urbano como um todo. A velocidade presente nas grandes metrópoles do mundo move os corpos dos bailarinos, que dançam á sua maneira representando os que habitam esses caos. O reflexo da vida que levamos na cidade é o que move os bailarinos, como um corpo com vestes curtas dançando numa tempestade de neve, a modificação de estado do corpo, a resistência, o enfraquecer, a mudança de ritmo dos movimentos que quase paralisam sobre a ação da temperatura.
O andar de um corpo dificultado pelos saltos altos de um sapato em terreno de terra fofa; Corpcocarroça carregando móveis; A sutileza de movimentos de um piscar de olhos, o mover de um cílio, de uma pálpebra.
Um sofá colocado no meio de um cruzamento urbano, um corpo sentado numa sala de estar estranhamente montada na cidade grande. Concreto, caos, movimento, barulho e, uma sala de estar... Contradições.
Pina Bausch usa como cenário a cidade, rompendo com a sala neutra e abusando do significado dos signos urbanos.

“Solange enfatiza a questão social como determinante para a análise fílmica e desvela a poética e o hibridismo da criação de Bausch, que integra com maestria a dança com as demais artes e constrói uma arquitetura imagética onde a cidade-personagem surge ao olhar do espectador como um sonho. A cidade é vista como um sistema significante, hipertextual, extensão dos órgãos do corpo, por meio da valorização do cotidiano”. Solange Pimentel Caldeira.4


Diálogo com o espaço cidade, a troca de informações - Intervenções
A cidade é uma potência infinita de metáforas, como percebeu Pina Bausch no filme O Lamento da Imperatriz. Atualmente este espaço de manifestação urbana é  experimentado por diversos grupos artísticos, que usam as ruas, o movimento como tela para sua arte. Numa sociedade onde a vida é praticamente guiada por informações, os artistas saem às ruas na busca por uma troca diferente com o espectador e assim como conseqüência com o ambiente da cena. A partir de necessidades como essas, de dialogar com um transeunte, com uma arquitetura de concreto real, ou com barulhos externos, grupos andam radicalizando em seus experimentos.

Processos de Criação, Cia São Jorge de Variedades. 

Um exemplo desses experimentos urbanos é a Companhia São Jorge de Variedades, grupo de teatro paulistano, que está em processo de criação de seu novo espetáculo cênico e tem a rua como o espaço de encenação. Com uma trajetória de 13 anos e seis espetáculos no repertório, experiências e namoros com o espaço urbano, a companhia volta seu olhar completamente para a rua e escancara sua criação, abusando das linguagens contemporâneas que se misturam no processo criativo como uma urgência do momento e do grupo. A pesquisa intitulada “Ao Coro Retornarás”, tem como tema a história do bairro da Barra Funda, São Paulo, onde se localiza a sede do grupo, e um estudo sobre os coros no teatro. Como meio de processo foram apresentados sete workshops no ano passado (2010), onde o espaço urbano foi amplamente explorado. A arquitetura do bairro formou, junto com os corpos dos artistas e suas histórias, um cenário, um ambiente único de algo vivenciado ali, espectador era artista, artista era espectador, todo mundo era artista ou todo mundo era espectador, as posições todas se invertiam o tempo todo em diálogo de informações com o caótico cenário urbano.

Destaco três workhops:

Num grande ritual de fertilidade que invade o meio do dia no dia de uma comunidade, corpos pintados músicas, bebida, comida, vida, transe, concreto, barulho, automóveis, pessoas formam este grande corpo, este ambiente de suspiro poético. Como num trabalho de Hércules ou outro mito qualquer, o mágico e o real se misturam como dois coros que contam a mesma história.


Personagens de um passado presente, ações cotidianas colocadas num ambiente trocado, ou seja, o café é servido na calçada, o colchão está instalado para quem quiser descansar, a música, a festa de aniversário. Um deslocar-se de cenário e as pessoas compondo a história do passado no presente delas próprias, a vida revivendo na história resgatada pela arte.


Maquiagens, roupas extravagantes e uma coreografia para compor com o lugar... Corpos como pedras de crack, uma ironia do lugar.





A arte e o público contemporâneo – Uma reflexão final
“O Corpo vibrátil tende ao “entrelaçamento”, O corpo cênico conhece e se dá a conhecer por entrelaçamento. O espectador não é vidente e eu visível; somos ambos videntes e visíveis, tocantes e tocáveis, atores e espectadores. Vista do palco, a platéia é um espetáculo de estranha beleza. O entrelaçamento é justamente a condição que todo participante do evento teatral tem de, simultaneamente, ver-se vendo, ver-se sendo visto, ser visto vendo, ser visto vendo-se. Eleonora Fabião.5

O teatro contemporâneo, assim como outras linguagens artísticas contemporâneas estão se misturando e abusando de outros espaços, o hibridismo quase que vira regra, se não fosse uma tendência de um mundo baseado na troca constante de informações. A arte também entra nessa reciclagem estética e se reorganiza buscando novos espaços, novas trocas, novos diálogos, ou as mesmas formas contaminadas por coisas diferentes. A rua, o espaço urbano, começa a ser uma possibilidade real de diálogo direto com uma sociedade que quase não sai de casa e é recipiente de informações digitalizadas pelos meios de comunicação em massa. Sair da sala de espetáculo fechada e invadir o cotidiano das pessoas começa a ser um experimento cada vez mais potente. E, é nesse lugar que o teatro abre diálogo com as intervenções urbanas, com o grafite, com as artes plásticas e com a performance, muitas grupos de teatro já experimentam misturar linguagens e sair pras ruas, com intervenções cênicas, como O Povo Em Pé, que busca a criação de “estruturas cênicas permeáveis ás interferências” habitando as ruas em pausa para respirar, poética pra invadir a dureza da realidade concreta.

O teatro ambiental é mais do que um teatro que usa o espaço sem limitações, é também uma questão de atitude tanto do ator como do espectador, é saber o porquê e o como lidar com esse espaço sem fronteiras...”  Christiane Martins 6

O fragmento que um transeunte vê invadindo seu percurso cotidiano de uma manifestação artística qualquer, já o leva a questionar coisas, a pensar, ou no mínimo a dialogar com sua memória e informações próprias. Uma cena, um canto, uma imagem destacada e ao mesmo tempo parte integrante do dia-a-dia da cidade grande. O transeunte faz parte e não faz ao mesmo tempo... a arte ganha as ruas e amplia seu significado,  dialogando com pessoas de todos os tipos independente de classe social, educação, cultura.
A arte vira vida vivida no pulso da cidade grande!


Referências
1.GREINER, Christine e Katz, Helena. Teoria do Corpomíeida, in O Corpo. São Paulo. Editora Annablume, 2005.
2.GREINER, Christine e Katz, Helena. Teoria do Corpomíeida, in O Corpo. São Paulo. Editora Annablume, 2005.
3.PIMENTEL, Solange Caldeira. O Lamento da Imperatriz, a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Editora Annablume, 2009.
4.PIMENTEL, Solange Caldeira. O Lamento da Imperatriz, a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Editora Annablume, 2009.
5.FABIÃO, Eleonora. Revista Folhetin, In Corpo Cênico, Estado Cênico. Riode Janeiro: Publicação da Companhia do Pequeno Gesto. Edição número 17 (maio-agosto) 2003
6.MARTINS, Christiane. Cena Ambiental. Site: www.acupunturapoética@blogspot.com

0 comentários:

About Me

Acupuntura Poética
Ver meu perfil completo

Seguidores

Tecnologia do Blogger.